sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Melina Furman: “É preciso ensinar atitudes científicas”

 Para a especialista argentina Melina Furman, é fundamental privilegiar a observação, a classificação e a formulação de perguntas para desenvolver o raciocínio.


 De um lado, estão os professores que propõem o ensino de Ciências com base em experiências práticas, feitas em laboratório - os chamados tecnicistas. De outro, estão os educadores que focam a transmissão de conceitos e a teoria em aulas expositivas - e que, pela escolha metodológica, são conhecidos por tradicionalistas. As limitações de ambas as linhas levou ao desenvolvimento, desde a década de 1970, de uma terceira perspectiva, conhecida como investigativa. A bióloga argentina Melina Furman é uma das mais expressivas representantes dessa corrente. Doutora em Educação e Ciências pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e coordenadora científica da Sangari Argentina, ela vem dedicando-se à pesquisa desse novo modo de ensinar a disciplina, que propõe se basear em uma situação-problema para oferecer aos alunos a oportunidade de observar, levantar hipóteses, fazer registros e tirar conclusões. 


 “Dessa forma, permitimos que as crianças e os jovens avancem num processo que possibilitará a formação de um pensamento sistemático, crítico e autônomo, capaz de preparálos para enfrentar os desafios da atualidade dentro e fora da escola”, diz. Seu livro mais recente, La Aventura de Enseñar Ciencias Naturales (ainda sem título em português), escrito com a colega María Eugenia de Podestá, rendeu-lhe o primeiro prêmio na categoria Educação na Feira Internacional do Livro de Buenos Aires, neste ano. Em entrevista concedida por e-mail, Melina esclarece alguns dos principais conceitos de sua obra e de suas mais recentes pesquisas acerca do tema.


 Qual deve ser o foco do ensino de Ciências na escolarização básica? 
Penso que devemos privilegiar o desenvolvimento de algumas competências que têm a ver com a formação do pensamento científico crítico e autônomo. Uma delas é sustentar o que se diz. Um estudante deve saber convencer os outros da validade de suas afirmações com base em evidências. Ao mesmo tempo, deve usar o pensamento científico para analisar o grau de credibilidade das afirmações que ouvimos dos outros, tanto das pessoas com quem mantemos contato direto como dos meios de comunicação e de todas as outras fontes de informação no dia a dia. Além disso, o pensamento crítico está relacionado à capacidade – e também ao desejo, por que não? – de buscar explicações para os fenômenos e de aprender a pensar em estratégias ou caminhos que nos ajudem a responder às perguntas que nos fazemos constantemente. Em resumo: o fundamental é fornecer aos alunos ferramentas que lhes permitam pensar por si mesmos para que se tornem menos vulneráveis. E, nesse sentido, o ensino de Ciências tem muito a contribuir. 
 


 Qual é a responsabilidade da escola nesse processo? 
É muito grande, já que as pesquisas em Educação demonstram que o pensamento científico não é algo inato ou espontâneo, mas requer o desenvolvimento de hábitos de pensamento sistemáticos e rigorosos, que exigem esforço e tempo. Como se trata de uma aprendizagem complexa – que, inclusive, pode muitas vezes contradizer o nosso senso comum –, é preciso que seja ensinada. Se pensarmos na quantidade de anos que as crianças e os jovens passam na escola, fica claro que essa instituição tem uma oportunidade única de contribuir para formar essas habilidades de pensamento, num trabalho que começa na infância.

 


 Nessa perspectiva, de que forma os professores devem atuar? 
Os educadores devem saber que os modos de fazer e pensar da ciência são parte fundamental do que devem ensinar. Se esses não forem seus objetivos didáticos, o desenvolvimento do pensamento científico acabará ocupando um lugar secundário, enquanto os dados, a terminologia e os conceitos continuarão figurando como o mais importante.

Fonte: Revista Nova Escola